terça-feira, 14 de julho de 2009

Caixa de vidro abriga a cafeteria da Estação Ciência . UNA Arquitetos . São Paulo, SP

Uma caixa de vidro pousou delicadamente nos trilhos da Estação Ciência. Não causou impacto à estrutura tombada dos galpões da Lapa, bairro de origem industrial na zona Oeste de São Paulo, mas é inegável o impacto visual pelo contraste entre o antigo e o novo, entre os tijolos e o vidro. Essa caixa transparente foi criada pela equipe do UNA Arquitetos para ser um café e atender aos visitantes desse local onde a ciência é ensinada de forma lúdica.

Mas, pela total acessibilidade, também convida aos demais passantes da rua Guaicurus para uma parada rápida. O local é passagem para a estação de trens da CPTM e para o terminal de ônibus da Lapa - obra marcante do Núcleo Arquitetura. Também estão no entorno o Mercado Municipal da Lapa e o Sesc Pompeia de Lina Bo Bardi.

Aparentemente simples, a estrutura tem detalhes que revelam o cuidado com o projeto. O bairro da Lapa tem sua história ligada à industrialização de São Paulo, na primeira metade do século passado. Os galpões paralelos da rua Guaicurus faziam parte de uma tecelagem e, graças à pressão de moradores do bairro, não foram destruídos. Depois de passar por vários usos, um deles foi adaptado para abrigar o centro de difusão científica Estação Ciência, fundada pelo CNPq em 1987 e integrada à USP desde 1990. O arquiteto Fernando Viégas, do UNA, lembra que foram os professores Lucio Gomes Machado, Marlene Yurgel e Eduardo de Jesus Rodrigues os responsáveis pelo projeto de conversão do galpão em área expositiva. No galpão em frente funciona um centro de atividades para portadores de necessidades especiais.

Viégas explica que a antiga tecelagem possuía ramais ferroviários internos e plataformas de 140 m de extensão junto a esses galpões para a entrada e saída de insumos. Entre as duas construções de tijolos existe um espaço aberto, em desnível, com piso de paralelepípedos e árvores que os arquitetos viram como ideal para ser um espaço de convivência para o café. Para evitar impactos ao conjunto, a estrutura metálica foi fixada em dois pontos no trilho dessa antiga estação. "A proposta foi implantar o café no mesmo nível da plataforma coberta, local de entrada e circulação dos visitantes. A qualidade dessa paisagem interna definiu o partido de uma construção leve, cuja proporção respeita e, ao mesmo tempo, procura ressaltar a delicadeza do lugar", enfatiza o arquiteto. Dessa forma, também não precisaram interferir no espaço expositivo.

A estrutura metálica possui 17 m de comprimento por 2,40 m de largura e pé-direito de 2,40 m. Como a peça está apoiada em somente dois blocos de fundação, tem-se a impressão de que está ligeiramente solta do chão, suspensa junto à plataforma. A fundação apoia dois pilares metálicos que sustentam uma viga tubular maior na cobertura para suportar os balanços laterais e outra viga menor no piso. O assoalho de madeira reveste o piso sobre o barroteamento metálico e também está no teto, sob a cobertura de manta.

O fechamento de vidro permite a continuidade visual dos dois galpões e da paisagem. Durante o dia, quem está no interior do café tem visão total devido à transparência do vidro, enquanto o volume fica opaco para quem está do lado de fora. À noite o efeito é contrário e a luminosidade do interior da caixa de vidro passa a ser visível para quem está na parte externa.

Todos os lados da caixa se abrem, permitindo a ventilação cruzada. O acesso à plataforma pode ser totalmente aberto ou fechado, conforme as necessidades de funcionamento e do comportamento do clima. Nos outros três lados, onde há incidência solar, foram projetados brises que também servem como guarda-corpo, caso os vidros junto a eles estejam abertos. Para facilitar a limpeza da parte externa dos vidros, os brises se abrem apoiados em pivôs.

Outro detalhe que mostra a preocupação em interferir o mínimo possível no ambiente é o pé-direito relativamente baixo, de 2,40 m. Segundo Viégas, dessa forma a luz natural pode passar por cima da estrutura do café, sem causar diminuição da luminosidade nessa área da plataforma - exatamente na passagem para a entrada da Estação Ciência. Já a área do café foi delimitada pelo dimensionamento do balcão, o único elemento fixo no interior da estrutura e que foi projetado com todos os equipamentos e instalações necessários para o funcionamento da cozinha e o atendimento de clientes.

O espaço nas laterais do balcão foi deixado para poucas mesas e cadeiras. A escolhida foi a Girafa, de Lina Bo Bardi, executada pela Baraúna, por combinar com a leveza do ambiente. Outras mesas e cadeiras podem ocupar o espaço externo, reforçando a ideia de um espaço de convivência entre a Estação Ciência, o galpão em frente e seu entorno.

O projeto foi aprovado pelos órgãos ligados ao Patrimônio exatamente por não causar interferências às edificações. A proposta para o café não é recente - está na prancheta desde 2004, mas foi concluída em 2009. A demora ocorreu, entre outros fatores, pela necessidade de realizar licitações públicas para a construção, pois a Estação Ciência é ligada à USP.

Em maio de 2009 os galpões da Estação Ciência foram tombados pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São Paulo (Conpresp), assim como o Mercado Municipal da Lapa e o Sesc Pompeia, no entorno imediato. Ainda está em tramitação o tombamento do local pelo Condephaat. A instalação do café mostra que é possível revitalizar uma área tombada, ajudando a valorizá-la e, consequentemente, a preservá-la.

Nenhum comentário:

Postar um comentário