sexta-feira, 17 de julho de 2009

Edson Mahfuz fala sobre as fachadas contemporâneas






Os limites verticais dos edifícios, que costumamos chamar de fachadas, são suas partes mais visíveis e, sem sombra de dúvida, estão entre as mais importantes. Robert Venturi, nos anos de 1960, chegou a afirmar que fachada é o lugar em que a arquitetura acontece, pois é o elemento que sintetiza as forças internas e externas que atuam em todo projeto. O que segue assume como princípio que a fachada é mais do que sua manifestação bidimensional, abrangendo toda a espessura do limite vertical e todos os elementos usados para defini-lo em cada caso.

Até o início do século 20 a fachada era parte do sistema de sustentação dos edifícios, o que explica sua espessura e o número e tamanho das suas aberturas. A fachada pré-moderna é essencialmente um muro com aberturas, predominando sempre o cheio sobre os vazios, isto é, a área das aberturas é sempre menor do que a de alvenaria.

Nessas condições, o controle climático das edificações era resolvido parcialmente pela inércia térmica das fachadas − consequência da sua espessura e do emprego de um único material − e pela quantidade/tamanho das aberturas: em climas mediterrâ­neos as aberturas eram pequenas e poucas, enquanto em países de clima frio eram comuns grandes aberturas captadoras de luz.

Além dessas características físicas, a fachada tradicional desempenhava um importante papel representativo: o edifício clássico é fundamentalmente uma caixa de alvenaria sobre a qual eram aplicados os elementos das ordens clássicas. No século 19 o repertório de motivos ornamentais se amplia mas a relação básica permanece a mesma. Parte da crise por que passou a arquitetura na segunda metade daquele século se deve ao fato de que ela continuava presa ao sistema murário de construção de fachadas quando já existiam técnicas que permitiam construções menos maciças. Outro componente dessa crise foi a constatação de que os repertórios ornamentais aplicados à arquitetura já não tinham a mesma capacidade de comunicação de séculos passados.

A fachada tradicional foi alterada radicalmente com o surgimento da arquitetura moderna, que representou uma ruptura metodológica com o classicismo. A imitação foi substituída por uma ideia autônoma de forma, no sentido de que não se vincula a nenhum sistema prévio ou exterior. Sendo assim, para a arquitetura moderna a legitimidade de uma obra só pode ser encontrada no âmbito do objeto, cuja constituição como artefato ordenado segue leis que lhe são próprias.


Essa ruptura metodológica foi acompanhada por uma transformação radical da natureza do artefato arquitetônico. Enquanto na arquitetura clássica os diferentes subsistemas que compõem o edifício (estrutura portante, esquema distributivo, organização espacial, mecanismos de acesso, relação com o exterior etc.) convergem e se confundem com a estrutura formal, materializada por paredes grossas, na arquitetura moderna os subsistemas podem ser isolados e abstraídos. Essa independência é um dos fatores que favorece o abandono da imitação como procedimento projetual fundamental.

Nas primeiras décadas do século 20, o emprego da estrutura independente, que implica a desvinculação das funções de sustentação e vedação/compartimentação, teve como consequência a ampliação das possibilidades de projeto das fachadas. No primeiro momento, generalizou-se um aumento no tamanho e no número de aberturas por fachada. Essa é uma das características mais notáveis da obra inicial de pioneiros como Wright, Perret, Le Corbusier, Mendelsohn e muitos outros. Nelas vê-se a redução dos trechos opacos de alvenaria e o aumento de tamanho das aberturas, além da adoção frequente da horizontalidade na sua disposição.

A seguir houve uma aplicação extensiva do vidro nas fachadas, que em alguns casos passaram a ser pouco mais do que uma fina película transparente, como nos casos da Fábrica Fagus, do Pavilhão do Werkbund e do edifício da Bauhaus. Na prática, poucos edifícios adotaram a transparência total, mas esse era um ideal presente em muitos escritos e projetos teóricos do início do século.

No entanto, logo ficou claro que, mesmo em climas frios, uma fachada não pode ser reduzida a uma mera lâmina de vidro. Fatores como umidade, frio, calor e excesso de luminosidade logo obrigaram a um aumento de complexidade em relação às primeiras fachadas de vidro modernistas. Já na década de 1910 Le Corbusier declarava-se preocupado com o tema, a ponto de publicar em L'Esprit Nouveau uma proposta de vedação externa com câmara de ar desenvolvida por um engenheiro francês.

Na década de 1930 a fachada começa a recuperar a tridimensionalidade que havia sido substituída pelos planos envidraçados. O elemento responsável por isso é o brise-soleil, o quebra-sol que, alegadamente introduzido na arquitetura moderna por Le Corbusier a partir da construção de obras como o Ministério de Educação e Saúde, a Obra do Berço, a ABI e o Aeroporto Santos Dumont, se torna quase uma marca registrada da arquitetura brasileira.

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