domingo, 19 de julho de 2009

Concreto e pedra na Casa Boxe

Quando a construção de sua nova morada começou a adquirir forma em Ilhabela, litoral Norte de São Paulo, o caseiro Zé Maria ficou inconformado. Tudo bem que a casa teria uma bela vista para o mar proporcionada pela implantação a 100 m de altura. Mas o bloco branco erguido ao lado de duas enormes rochas lhe parecia estranho demais. Por um ângulo, aquilo lhe lembrava uma lata de sardinhas. Do outro, algo como um contêiner ou uma caixa de isopor.

Aos poucos os arquitetos paulistanos Alan Chu Silveira e Cristiano Kato convenceram o caseiro de que ele deveria se sentir privilegiado, conquistando a simpatia daquele que deveria ser o primeiro a apreciar o local: o morador.

A pequena edificação de 36 m² traz um programa igualmente simples: sala, quarto, cozinha, banheiro e área de serviço. O objetivo era chegar a uma solução econômica capaz de substituir uma antiga casa térrea com paredes de pedra e telhas de barro. Havia também uma preocupação com a forma, pela localização em uma das entradas da propriedade. A nova construção deveria ser interessante o suficiente para chamar a atenção daqueles que passam pela via pública, mas sem comprometer a privacidade.

Outro pré-requisito era estabelecer um diálogo harmonioso com o conjunto arquitetônico existente, onde predominam construções erguidas sobre rochas naturais. A essa altura os arquitetos tinham dois caminhos: produzir algo que, como a construção original, se fundisse à paisagem ou criar um elemento de impacto em contraposição à exuberância amorfa das rochas que circundam o local.

Entre o óbvio e o provocativo, os jovens arquitetos ficaram com a segunda opção. Foi assim que, entre enormes rochas e em meio à Mata Atlântica, surgiu a caixa branca de 3 m x 5 m que se destaca pelo rigor formal e geometria concisa.

As condições do terreno, em desnível, serviram como fio condutor para a concepção. O elemento suspenso se apoia, de um lado, sobre um arrimo já existente que acompanha em curva a rampa para o estacionamento, quase que abraçando a construção. Na elevação frontal, o volume se escora sobre um muro construído com as mesmas pedras de outras construções locais.

"O movimento entre esses elementos configura três espaços da construção", explica Alan Chu, referindo-se ao pátio de acesso criado entre o volume construído e o muro de arrimo curvo, ao pátio de serviço resultante do vazio entre a casa e a rocha a leste do terreno e, por fim, ao vão sob a própria caixa, aproveitado como área útil.

Dentro e fora da caixa A casa possui dois pavimentos. No pavimento que acompanha o nível da rua se distribuem sala, cozinha e banheiro. O andar superior abriga o dormitório que dispõe de uma generosa abertura de onde é possível avistar o continente e o canal de São Sebastião.

A implantação tirou partido do desnível do terreno para economizar com escavações e ainda assegurar privacidade e facilitar a circulação. O plano, segundo Chu, foi aproveitar o piso externo e o muro de arrimo e pousar sobre eles uma caixa branca em contraste com a grande rocha. "O boxe é um elemento frequente no imaginário de quase todos os arquitetos", admitem Chu e Kato, que contam, ainda, que todos os demais espaços nasceram espontaneamente como consequência dessa premissa.

Embora não constituam referências formais, é possível notar traços do dinamismo da arquitetura japonesa contemporânea na Casa Boxe. Conhecidos pelo caráter escultórico, pela volumetria geométrica e pelas linhas minimalistas, os trabalhos de escritórios como o Sanaa, de Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa, e o Ateliê Tekuto, são acompanhados por Chu e Kato.

Para Alan Chu, porém, a linguagem adotada se resume à busca de algo elementar que permite explorar a paisagem existente e o contraste de materiais e texturas. A especificação dos materiais, aliás, foi pautada por critérios como disponibilidade, custo, facilidade de execução, além da possibilidade de combiná-los de forma harmoniosa.

A escolha dos revestimentos mantém-se coerente com tais critérios. Para o piso interno utilizou-se cimento queimado. Na pavimentação externa e muros frontal e de arrimo, a opção foi valorizar as rochas do local. A madeira das portas, janelas, escada, estantes e mobiliário é proveniente de sobras de material utilizados na confecção de andaimes e fôrmas que moldaram o concreto armado da caixa branca.

Com soluções construtivas básicas - estrutura de concreto armado e alvenaria - o projeto conseguiu, ainda, tirar partido de grandes vãos e da ventilação cruzada. Adicionalmente, em uma área de clima tropical úmido, mecanismos simples, e principalmente baratos, foram utilizados para garantir o conforto térmico, como portas-brise e cobertura de concreto com argila expandida.

Capacidade de síntese
Diante de um espaço com dimensões reduzidas e restrições orçamentárias, o aproveitamento do espaço torna-se ponto crítico. Na casa de Ilhabela, essa condição levou os arquitetos a criar um móvel multiuso embutido na escada que dá acesso ao andar superior. Construído parte em madeira, parte em alvenaria, o elemento incorpora nicho para geladeira e móvel para TV.

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